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sexta-feira, 25 de janeiro de 2013

Segundo a observação de H. von Stein, ao ouvir a palavra "natureza", o homem dos séculos XVII e XVIII pensa imediatamente no firmamento; o do século XIX pensa em uma paisagem.

(Raízes do Brasil)

*

o céu é que serve
de horizonte quando ao seu lado
os lobos ainda ameaçam
depois domesticada a gente passa
a não ver mais estrelas

*

a constelação de ema
é comida pelo escorpião
lei do antropófago europeu:
só interessa o que é meu

*

um europeu pergunta ao outro
porque deus não fez nos céus
perfeitas formas e tecidos
com as estrelas ao acaso
assim dispostas até parece
que deus não existe

o outro europeu responde
que se deus assim dispôs
é porque tinha um bom motivo

*

quinta-feira, 24 de janeiro de 2013

quem diz macacos
me mordam
deve atentar que essa frase
de infância chama os espíritos
dos macacos, que, por sua vez,
chamam os macacos vivos
o butantã, lar do famoso serpentário,
corre o risco de ser invadido
por um exército de macacos
doidos pra morder
o atrevido

ii

tem os dentes
fossilizados
e tem aqueles
desfeitos erosão
pela memória

cuidado

iii

tem os dentes
da caveira
e tem aqueles
sorrindo na foto
do meu pai

são os mesmos

dos dentes se aprende
(que é que eu aprendo?)
mastigo um pedaço
de queijo no almoço

tudo o que eu mastigo está morto

iv

dos dentes se aprende
quem caça sem dúvida
sobrevivência garantida
pelo bote da mandíbula

meus avós guardam na pia
numa caneca quebrada
fazem poupança com a aposentadoria
mas já não esperam mais nada

v

nestes tempos de epidemia
não conte com a antropofagia

nestes tempos de contaminação
não confie só na digestão

nestes tempos de sobreaviso
não morda nem seu amigo

vi

nestes tempos autoimunes
os galhos tremem
os micos têm medo
e fome, mas só ficam assistindo

o bairro espera
o novo ataque
treme à espreita
das suas feras

são outros dentes que mordem
o interior das bochechas

quinta-feira, 17 de janeiro de 2013

o dia que eu for escritor

minha mãe vai contar
às amigas o marcos
ganhou prêmios elas vão dizer
cejuraquelegal
deus me livre do dia em que eu ganhe prêmios
avolumando-se as consumidoras na garganta dos livreiros
e o mundo igual do mesmo jeito
me perguntam da arte da fome do brasil e eu vou dizer
bobagens publicadas minha mãe vai contar
às amigas o marcos saiu
até no jornal
deus me livre de um dia sair no jornal

ii

vimos
por meio desta
comunicar-lhe apesar
das evidentes qualidades literárias
decidimos não publicar seu livro
boa sorte
boa noite
seu livro foi selecionado
parabéns
entre milhares de outros
e agora queremos
dar ao mundo essa obra
de extremo bom gosto
você tem interesse em publicar conosco?

iii

tudo que eu escrevo
é poema, menos isto
trata-se de reza
a céu aberto
eu e as evangélicas
gostamos de rezar
bem alto na porta

quinta-feira, 10 de janeiro de 2013

um encontro estala atrás
do poste de luz da esquina
te disse que está lá atrás os guardas
o levam dali para a jaula o encontro
era um javali
órfão porque no escuro
da metrópole

ii

um naco de vidro que prende na garganta
um pote de abacate que caiu e se quebrou
a língua alcança os dedos e neles tinha vidro
e tinha o abacate amassado com açúcar
agora sinto sangue descendo pelo esôfago
agora desacomoda e o vidro ainda está ali

iii

o encontro também
pode ser?

uma praia aonde eu não vou
o cós das calças que eu não sei

uma queda bem distante
a intransigência de alguém

os futuros carcomidos
pelo vento do passado

o passado afogado
na enxurrada do futuro

maduro maduro
monturo

iv

hoje
exploraremos
o encontro
do rio negro
consigo mesmo
as águas
as algas
amalgamam
a história
do curso
que deságua
não seguiremos
nós parados
neste exato
corrente
momento

v

prometo pensar o imediato
porque me perco se distraio
perseguindo umas palavras
que não têm lastro então eu penso
nestes dentes todos juntos

o encontro seria
só meu se eu fosse
um destes dentes

eu nem ia ligar
eu, enquanto dente,
encontrado que estaria
no desgaste que mastiga

vi

esta
é a história
de quando a história não sabe
de si

sábado, 5 de janeiro de 2013

novo

às vezes
o ano
cai de repente
outras vezes
ele entra
suave
este ano
parece
ainda está na barriga
de dezembro

ii

ingrato
depois de tudo
em 2012
vai dizer que não quer
2013
que pose

iii

às vezes
quem entra
no ano é você
outras vezes nem
isso

iv

variações
monótonas
precárias
sobre um mesmo tema
2011
2012
2013

v

resoluções de ano novo
desistir de ser poeta
entrar pro clube de remo
comer menos
(não necessariamente
nessa ordem)

vi

resoluções para 2013
escrever algo que preste
reinventar a rima fácil
jogá-la pelo ralo
escrever o imprestável

vii

segunda lista
de resoluções

querida mãe
persistir na análise
let's start a magazine

viii

pendurar uma placa
no pescoço na porta
contenha-me

viiiiiiiiiii